Apesar de ser uma das fontes renováveis menos custosas, extrair calor do magma terrestre é quase exclusividade da Islândia.
Um dos mais famosos pontos turísticos da Islândia é a Lagoa Azul (Bláa lónið, em islandês), um lago artificial próximo ao aeroporto de Reykjavík, que recebe eletricidade e é aquecido pela central geotérmica próxima. Tais usinas de energia são comuns no país, mas pouco conhecidas no resto do mundo. Para muitos dos banhistas da lagoa, é a primeira vez que ouvem falar dessa fonte energética.
Líderes políticos de 25 países se reuniram no início de setembro em Florença, Itália, na esperança de mudar esse cenário. No último dia 12, ministros governamentais e 29 instituições parceiras, do setor privado, assinaram a Declaração de Florença, comprometendo-se a um incremento de 500% da capacidade global instalada de geração de energia geotérmica até o ano 2030.
Potencial inexplorado
Embora a percentagem soe elevada, ela se aplica a uma cifra inicial bem modesta, já que atualmente a energia geotérmica só responde por 0,3% da capacidade global instalada. No entanto, o potencial dessa modalidade de geração de energia renovável é enorme, tanto para reduzir as emissões de gases do efeito estufa como para reduzir custos.
A energia geotérmica é uma das fontes mais econômicas que existem, depois de amortizados os custos iniciais. Seu potencial global, atualmente inexplorado, é avaliado em cerca de 200 gigawatts.
“Precisamos desenvolver novas tecnologias e encorajar novos investimentos, a fim de assegurar que cobriremos essa lacuna”, enfatizou o ministro italiano do Meio Ambiente, Gian Luca Galletti, na cúpula em Florença.
O encontro foi organizado pela Aliança Geotérmica Global, lançada pela Organização das Nações Unidas na cúpula do clima de Paris, em 2015. Gerida pela Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena), a coalizão está conectando governos e companhias para acelerar o desenvolvimento do setor.
Limitações geográficas
Para se obter calor da camada de magma, fluida e extremamente quente, no interior do planeta, bombeia-se água por um poço de injeção. Ela se infiltra pelas fissuras das rochas onde a temperatura é alta, retornando então através de “poços de recuperação”, sob pressão e na forma de vapor. Este é capturado e usado para movimentar geradores de eletricidade ou aquecer casas.
Os dois principais obstáculos têm sido de natureza geográfica e financeira. A Itália quis sediar a cúpula por desejar intensificar o próprio uso de energia geotérmica. Os delegados presentes na cúpula visitaram a primeira usina do gênero do país, em Larderello, não muito longe de Florença.
O país tem o azar histórico de se situar sobre solo muito quente, resultante da mesma atividade tectônica que causa terremotos e erupções vulcânicas. Por outro lado, esse calor subterrâneo também pode ser canalizado para gerar energia. Dos 90 países cujos recursos geotérmicos têm potencial para serem utilizados, a maioria se situa em regiões de atividade tectônica.
Assim, esse potencial é comparavelmente reduzido na Europa, mas gigantesco na região da Ásia-Pacífico. Lá, contudo, tem sido difícil reunir capital, sobretudo para projetos nessa escala.
“No momento, talvez estejamos explorando apenas 6% do potencial da energia geotérmica”, comenta Adnan Z. Amin, diretor geral da Irena. Para ele, a nova Declaração de Florença é “um marco, que, nos termos mais eloquentes possíveis, demonstra o desejo renovado de liberar as reservas geotérmicas”.
Questão de Investimento
Em seguida à assinatura da declaração, a Irena divulgou um relatório mostrando que a maior barreira atual ao avanço geotérmico é o acesso a capital para exploração de superfície e perfuração. Além disso, são necessárias regulamentações governamentais mais transparentes, que evitem retardos, fornecendo um ambiente estável para desenvolvedores e investidores.
Representantes de países da União Africana (UA) presentes no encontro em Florença se comprometeram a garantir essa transparência. Também o comissário da UA para infraestrutura e energia, Amani Abou-Zeid, enfatizou que a tecnologia poderá ajudar a África a reduzir suas emissões de CO2, além de criar empregos.
“A energia geotérmica está emergindo como uma joia oculta entre os recursos africanos de energia renovável, e precisamos cooperar para assegurar que ela cumpra o seu potencial”, conclamou Abou-Zeid.
Um país que não carece de compromissos de investimento no setor é a Indonésia. Com 4.013 megawatts de capacidade adicional planejada para os próximos anos, o país está muito à frente de todos os demais. Em seguida vêm os Estados Unidos, Turquia e Quênia, cada um com pouco mais de mil megawatts de capacidade geotérmica planejada.
Amin acredita na capacidade de tais compromissos governamentais para encorajar investimentos privados no desenvolvimento dessa fonte energética, que exige grande injeção inicial de capital.
“Se conseguirmos identificar e implementar mecanismos para propiciar um nível mais alto de segurança para investidores e desenvolvedores, passaremos do diálogo construtivo para a ação decisiva”, diz.
Assim, caso os países que se reuniram na Itália mantenham seu comprometimento, no futuro, locais como a Lagoa Azul deixarão de ser uma exclusividade islandesa.
Fonte: O Debate